domingo, 17 de janeiro de 2016

Professor - Enéias Otoni Aredes

ENÉAS NÃO USA INTERNET

Enéas Otoni de Aredes, o Professor, que entrou aos quatorze anos no seminário, que saiu aos 24 anos, teologia e latim incluído, muita teologia, depois alguns anos de almoxarifado e outros trinta lecionando, um criativo homem de letras que arrebatou classes inteiras no estudo da língua pátria e da estrangeira, guia cartesiano na álgebra e na geometria, inesquecível para seus alunos e a paz em pessoa para seus familiares; desportista, cruzeirense, ex-técnico de futebol amador, autodidata em educação física, ginasta compulsivo, corredor fundista e meio fundista, maratonista na varanda de sua casa, enxadrista, criptaritmético, fluente em quebra-cabeças, tabuleiros, estratégias, desafios e enigmas em geral, com expressão em resta-um, sudoku e tangram; Bodas de Rubi com Marinalva, quarenta anos de casados e dois filhos adultos; paroquiano atuante e desde sempre Ministro da Eucaristia; observador da Inerrância e Infalibilidade Bíblica, na Contemplação do Exemplo, na Oração dentro das Horas Canônicas e na disciplina do Rito, através de epítetos, comentários ou silogismos, pessoais ou impessoais, registrados e recortados, colados ou bricolados, desenhados ou rabiscados, no verso de folhetos ou em quilos de cadernos brochurão, papel sulfite e de pão; datilografo com caligrafia de escrivão, escritor e poeta, que por muitos anos respondeu pelo pseudônimo de Dettoni Soares, genealogista em tempo integral, Aredes sem acento, Otoni sem o double "t", Louzada embutido, o Professor Enéas, o ancião, não sabe usar a Internet.

Enéas não usa internet. Não se pode culpá-lo, não se deve lamentá-lo. Como diria o bom mineiro, seria modernice. A imposição da informática equivale a despotismo tecnológico. Em verdade não são poucos os motivos para congratular o Professor.

Se Enéas usasse internet poderia procurar um seu Patriarca da pesquisa genealógica na qual se ensimesmou. Mas Enéas é de um outro tempo, recente, mas outro.

Um tempo no qual era mais duro transpor o mundo físico. A natureza era mais difícil de ser desobedecida e, com efeito, mais pura e bondosa – ainda que esta seja sua redundante essência. Fazer Genealogia era uma experiência física. Era gastar as solas dos sapatos, era botar o pé na estrada. Como forasteiro atrás da recompensa garimpando nomes e endereços. Discando números. Colando selos. Esperando carteiros. Visitando. Colecionando fotos. Amolando Tabeliões e Párocos, tirando fotocópias.

Enéas conseguiu tal amplidão e consistência em sua árvore de costados, com tantos membros, em uma nostálgica era pré-computação, usando do bom e velho método de pesquisa dos grandes. Fez realmente da genealogia a busca de suas raízes, como ela deve ser. Visitou, escreveu, telefonou; numa palavra, reencontrou todos os antigos amigos, que não por acaso eram todos parentes, de Sobrália e São João do Oriente, de tempos idos e de todos os tempos.

Enéas nunca, jamais precisou de internet. Como repreender tão criterioso pesquisador em seu Septuagésimo Oitavo ano de vida? As pessoas são frutos de seu meio. Filhas de seu próprio tempo.

Dona Eraclides sua mãe, portanto, era de um contexto ainda anterior, filha de uma época na qual a memória era o principal documento. Uma época remanescente da palavra falada pelo sertão a fora que não tem fim. Uma cultura com oralidades próprias, somente transcritas em sua imensidão por João Guimarães Rosa ou Euclides da Cunha.

Tecnologia é uma coisa que aliena demais as faculdades humanas: mecaniza o dialogo demais, violenta e frenética e fugaz. Não serve para gente como o Professor que porquanto pesquisador não perde por nada uma boa prosa.

Mas Enéas Otoni de Aredes, filho de Mivaldo Ottoni Aredes e Eraclides Aredes Louzada, Herdeiro do Testamento Genealógico dos Aredes, como bom Mestre, têm pupilos, discípulos, alunos.

E eles usam internet.

Nenhum comentário:

Postar um comentário